Foi no aparentemente tranquilo dia 9 de julho de 1982, que uma das mais tristes demolições e crimes contra o patrimônio histórico paulistano ocorreu. Foi quando demoliram um belíssimo palacete com traços em art noveau que cuja única lembrança de que um dia existiu é um portão.
Localizado no número 595 da Rua Vitória, bairro de Santa Ifigênia, este portão que avaliamos ser um dos mais bonitos de São Paulo é o que sobrou do magnífico casarão que havia nesta área hoje ocupada por um pequeno imóvel e estacionamento. Construído entre 1898 e 1900 o imóvel era residência de Silvio Sampaio Moreira, rico empresário paulista do século 20, cujo irmão dá nome a um dos mais antigos edifícios da cidade, o Sampaio Moreira (o prédio faz homenagem a José Sampaio Moreira).

Nesta foto de 1985 local já servia de estacionamento.
A ausência de detalhes sobre como era o imóvel é culpa de sua demolição. Até mesmo imagens deste casarão, que segundo relatos de pessoas que o conheceram, tratava-se de uma das mais incríveis residências paulistanas do passado não são conhecidas. Nem mesmo de quando ele já estava em situação de abandono. Tudo isso porque ele foi demolido às pressas no fátidico 9 de julho de 1982.
Na teoria ele estava protegido. O imóvel havia sido tombado como patrimônio histórico paulistano em 2 de dezembro de 1975, durante o mandato do então prefeito Olavo Egydio Setúbal, entretanto isto não foi suficiente para proteger o casarão em questão.
Com o fato de 9 de julho ser ponto facultativo (naquela época ainda não era feriado como hoje) o que iria dificultar a fiscalização das autoridades, alguns homens entraram no casarão durante o período da manhã e iniciaram a demolição do imóvel. Algumas horas depois, alertados por vizinhos, chegaram a imprensa e os fiscais da prefeitura o que interrompeu a demolição. Porém, já no meio da tarde quando imprensa e fiscais deixaram o imóvel, uma retroescavadeira entrou e terminou por demolir o que ainda restava do antigo casarão de Silvio Sampaio Moreira. Era o fim.

O portão resiste até hoje.
Porém por alguma razão o portão sobrevive até os dias de hoje, 32 anos após a demolição da residência. No local também nada de significativo foi construído, permanecendo até hoje como um espaço vazio e estacionamento de veículos.
A demolição deste casarão já no distante ano de 1982 mostra que o tempo passa e a realidade não muda. Somos bombardeados com notícias de casarões sendo demolidos em feriados, madrugadas ou mesmo a luz do dia – na cara dura – todos os dias. O que evidencia que nossas leis de tombamento são bastante ineficientes. O tombamento não pode ser um ônus ao proprietário, que muitas vezes perde dinheiro e nem um ônus ao Estado, que também se vê forçado a desapropriar muitos imóveis a custos elevados, para não ver seu proprietário destruí-lo.
O processo de tombamento precisa ser revisto por completo e há a necessidade que a cultura de preservação seja incentivada nas escolas. Esta consciência de patrimônio histórico e de laços com a preservação precisa surgir no âmbito escolar, para que reflita na sociedade. Caso contrário dificilmente veremos nosso passado presente em nosso futuro.
O portão da rua Vitória serve como uma lembrança de que um dia um casarão existiu ali e serve como uma lição de que um povo sem passado está fadado a não ter futuro.
Curiosidade – No mesmo dia uma “quase demolição”:
O dia 9 de julho de 1982 por pouco não foi ainda mais trágico para a Cidade de São Paulo. Neste mesmo dia e praticamente no mesmo horário, um outro casarão muito conhecido dos paulistanos quase foi demolido, o “Castelinho da Brigadeiro Luís Antônio“.
Hoje preservado, este belíssimo exemplar da São Paulo antiga não virou pó por muita sorte e determinação do vigia de plantão, que infelizmente não se sabe o nome, mas que naquele triste 9 de julho fez um gesto que foi determinante para a preservação do imóvel.
Por coincidência (ou propositadamente, vai saber) no mesmo horário que alguns homens seguiram para demolir o casarão da rua Vitória, outros quatro homens seguiram para este casarão, com o mesmo objetivo: colocar a construção abaixo. Enquanto no outro imóvel os operários não encontraram ninguém pelo caminho, neste encontraram um valente vigia que sozinho, impediu a entrada dos homens contratados para a demolição. E ele não só não permitiu a entrada como também acionou a polícia que rapidamente chegou ao local e impediu que a ação fosse concretizada.
Os imóveis eram de famílias diferentes. Será que combinaram demolir ambas no mesmo dia para dificultar a ação das autoridades, ou tudo não se tratou de uma infeliz coincidência ? Jamais saberemos. O que sabemos é que felizmente, diferente do casarão da rua Vitória, este casarão sobreviveu e foi restaurado, sendo hoje é uma das mais preservadas residências antigas da nossa cidade.